Caros irmãos e irmãs em Cristo, neste período quaresmal somos chamados a uma profunda conversão interior e a uma renovada intimidade com a Palavra de Deus. A prática da Lectio Divina oferece um caminho rico e transformador para vivermos plenamente este tempo litúrgico.
A Riqueza da Lectio Divina no Tempo Quaresmal
Neste sentido, a Lectio Divina não é apenas uma técnica de leitura, mas uma verdadeira escola de oração que nos permite entrar em diálogo íntimo com o Senhor.
São Jerônimo, grande doutor da Igreja e estudioso das Escrituras, afirmava: "Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo". Durante este tempo quaresmal, não podemos nos permitir tal ignorância.
A Tradição Contemplativa na Igreja
A prática da Lectio Divina remonta aos primeiros séculos do cristianismo e foi sistematizada pelos monges beneditinos. São Bento, em sua Regra, já recomendava esta forma de leitura orante aos seus monges. Santo Agostinho escreveu: "Quando lês, é Deus quem fala contigo; quando oras, és tu quem fala com Deus".
São João da Cruz, doutor da Igreja e mestre da espiritualidade, ensina que "Deus fala constantemente com a alma", e a Lectio Divina nos ajuda a sintonizar nossos ouvidos espirituais para ouvir esta voz divina que nos interpela no mais profundo do ser.
Preparando o Coração para a Leitura Orante
Para uma autêntica Lectio Divina, precisamos preparar adequadamente nosso interior. O papa Bento XVI afirmava: "Não se começa a ser cristão por uma decisão ética ou uma grande ideia, mas pelo encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, uma orientação decisiva".
Este encontro com Cristo, propiciado pela Lectio Divina, requer disposição interior, silêncio e um genuíno desejo de transformação. Como ensina o Catecismo: "A oração é a vida do coração novo. Deve animar-nos em todos os momentos" (CIC 2697).
Aprofundando os Quatro Passos da Lectio Divina
1. Lectio: A Leitura Atenta
São Tomás de Aquino ensina que "a leitura busca, a meditação encontra, a oração pede, a contemplação saboreia". Quando lemos as Escrituras na Lectio, não estamos diante de um texto qualquer, mas da própria Palavra viva de Deus.
Durante este primeiro passo, somos convidados a deixar que a Palavra ressoe em nosso interior. Como diz Santa Teresa de Ávila: "A oração não consiste em pensar muito, mas em amar muito". Esta leitura amorosa da Palavra é o primeiro passo de nossa jornada.
2. Meditatio: O Ruminar da Palavra
Na meditação, refletimos profundamente sobre o que lemos, procurando entender o que Deus está comunicando particularmente a nós. O Catecismo explica: "A meditação mobiliza o pensamento, a imaginação, a emoção e o desejo" (CIC 2708).
São Gregório Magno compara a meditação das Escrituras com o ruminar: assim como os animais ruminantes extraem todo o valor nutritivo dos alimentos, na meditação extraímos toda a riqueza espiritual da Palavra de Deus.
3. Oratio: O Diálogo Amoroso
Na oração, respondemos ao que Deus nos diz. Santa Catarina de Siena descreve a oração como "uma subida para Deus com o coração aberto e a alma em alegria". É o momento em que nosso coração se abre em louvor, agradecimento, súplica ou arrependimento.
O Catecismo nos lembra que "a oração é o encontro da sede de Deus com a nossa sede. Deus tem sede de que nós tenhamos sede d'Ele" (CIC 2560). Na Oratio, deixamos que nossa sede de Deus se expresse com liberdade e confiança.
4. Contemplatio: O Repouso em Deus
Na contemplação, simplesmente repousamos no amor de Deus. São Boaventura a descreve como "o descanso da alma em Deus". É um momento de pura graça, onde, como diz São João da Cruz, "já não sou eu quem vive, mas Cristo que vive em mim".
O Catecismo ensina que a contemplação é "um olhar de fé fixo em Jesus, uma escuta da Palavra de Deus, um silencioso amor" (CIC 2724). Na contemplação, somos verdadeiramente transformados pela graça divina.
A Lectio Divina como Caminho Quaresmal
Neste tempo de preparação para a Páscoa, a Lectio Divina nos ajuda a caminhar com Cristo pelo deserto, a enfrentar tentações e a crescer em fidelidade. Como disse Papa Francisco: "A Quaresma é tempo privilegiado para intensificar o caminho da própria conversão. Este caminho supõe cooperar com a graça, para derrubar as barreiras que nos separam de Deus".
Santo Afonso Maria de Ligório ensina que "quem reza se salva, quem não reza se condena". A Lectio Divina, como forma privilegiada de oração, nos conduz pelos caminhos da salvação, especialmente neste tempo quaresmal.
Frutos Espirituais da Prática Constante
Uma prática constante da Lectio Divina durante a Quaresma produz frutos duradouros na vida espiritual. O Catecismo afirma: "A oração e a vida cristã são inseparáveis" (CIC 2745). Alguns destes frutos incluem:
- Maior intimidade com Cristo
- Discernimento espiritual apurado
- Paz interior mesmo nas tribulações
- Capacidade de ver Deus agindo em todas as coisas
- Crescimento nas virtudes teologais: fé, esperança e caridade
A Lectio Divina como Preparação para a Páscoa
Ao praticarmos a Lectio Divina durante a Quaresma, preparamos nosso coração para celebrar dignamente o mistério pascal. Como ensina São Leão Magno: "O que é visível em nosso Redentor passou para os sacramentos". Esta passagem é mais bem compreendida quando nosso coração está impregnado da Palavra de Deus.
Que neste tempo quaresmal possamos, através da Lectio Divina, experimentar o que Santo Agostinho tão belamente expressou: "Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Eis que habitavas dentro de mim, e eu lá fora a te procurar!".
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